O que não cabe no seu design system
Figma aberto. Componente pronto. Tudo alinhado no grid. Mais uma tarefa entregue. Mas deixa eu te perguntar: você sentiu alguma coisa enquanto projetava isso?
Porque se nem você sente, como espera que alguém do outro lado da tela sinta?
Designers gostam de dizer que criam “experiências”. Mas quando a gente desenha sem pensar em como aquilo impacta emocionalmente alguém — ou pior, quando a gente mesmo não sente absolutamente nada ao criar — estamos realmente preocupados em gerar uma experiência nos usuários?
Paul Ekman, psicólogo e pesquisador dos estudos sobre emoções universais, defende que o sentimento é condição fundamental para reconhecer emoções nos outros1. Ou seja: se você está emocionalmente anestesiado, sua capacidade de empatia no design cai drasticamente. Você pode entregar função, mas seu impacto vai estar limitado ao quanto você entende sobre sistemas e negócios, e não comportamento e emoções.
“Emotional expression is the window into emotional experience.” — Paul Ekman
Se você quer construir algo que afete as pessoas, você precisa, no mínimo, estar disposto a ser afetado também. E talvez esse seja o maior problema de muitos produtos por aí: não falta usabilidade — falta intencionalidade.
Intencionalidade é método
Isso nos leva a uma pergunta desconfortável: você tem intenção clara quando projeta algo? Ou está só repetindo padrões do design system e empilhando componentes?
Não basta saber que a interface funciona. A questão é: ela provoca algo? Fazer funcionar é só o começo. Fazer sentir é o diferencial.
A filósofa Hannah Arendt diz que o que nos torna verdadeiramente humanos não é só o pensamento, mas a ação com propósito2. No design, isso se traduz em mais do que processos eficientes: se você não tem intenção emocional clara, você está só operando uma ferramenta.
“Action, the only activity that goes on directly between men... corresponds to the human condition of plurality.” — Hannah Arendt
Design não é arte, mas sem sensibilidade também não é design. Definitivamente você está criando sistemas, mas não necessariamente criando sentido.
Você não cria experiências. Você cria artefatos.
Quem vive a experiência é o usuário. A sua responsabilidade é criar condições para que ela aconteça. Essa é uma distinção importante. Porque se o seu foco é só entregar wireframes limpos, você está perdendo a parte mais rica do processo: a que mexe com comportamento, memória e afeto.
E isso não diminui em nada a relevância de uma boa interface construída. Muito pelo contrário, isso define um novo padrão de construção baseado não somente em cards brancos estáticos na tela, mas sim no momento de interação entre usuário e interface.
Vamos pensar em um exemplo próximo: Duolingo. O app não apenas te ensina um idioma. Ele estrutura pequenos incentivos emocionais que te fazem sentir orgulho, continuidade e pertencimento. Você sente que está progredindo. Você se importa com a sua “ofensiva” e seu ranking. E o mais curioso: você quer compartilhar isso com os outros.
Você não está só usando um app — você está vivendo uma jornada. E ela tem emoções associadas. Esse tipo de conexão não acontece por acaso. Ela acontece porque alguém, em algum momento, projetou pensando em sentimentos — e em como ativá-los com sutileza e consistência.
É comum rotular isso como gamificação, mas isso simplifica demais o que está sendo feito. Não se trata de pontos ou badges — trata-se de construir respostas emocionais duradouras. Onde o Duolingo acerta é em tratar a emoção como parte singular da jornada de uso do produto.
E quando a IA também souber criar?
Modelos de inteligência artificial já conseguem montar interfaces, sugerir fluxos, aplicar heurísticas. E muito em breve, farão isso com mais velocidade e coerência do que muitos designers. Mas ainda há uma coisa que elas não sabem fazer: sentir.
E se você também ignora isso, está apenas competindo no mesmo nível que elas — o da eficiência operacional. Se o seu trabalho pode ser replicado por um modelo generativo, talvez seja hora de mudar o nível da entrega. Porque imprimir emoções e intencionalidade é o maior diferencial humano.
Sentir é parte do seu processo analítico
A gente tende a valorizar dados, lógica e eficiência — com razão. Inclusive, eu sempre tive uma visão muito pragmática sobre design, majoritariamente voltada para pesquisas quantitativas, análise de eventos e parâmetros. Mas se você tira o elemento emocional do seu processo de design, você tira também o elemento humano.
A neurocientista Lisa Feldman Barrett, autora de How Emotions Are Made, mostra que emoções não são só reações, mas sim construções baseadas em contexto, memória e intenção3. E, portanto, são influenciáveis por design.
“You are the architect of your own experience. Your brain constructs the world you experience.” — Lisa Feldman Barrett
Projetar algo sem considerar isso é abrir mão de uma das ferramentas mais potentes que nós temos como designers.
Por que isso importa?
Porque o que vai diferenciar você e seu trabalho é a capacidade de gerar significado.
Não basta estar no Figma. Não basta entregar. Se você quer criar produtos que provoquem experiências, precisa sentir o que está fazendo e entender o que está provocando.
Na sua próxima review, talvez a pergunta não seja apenas:
"O que a pessoa vai fazer aqui?"
Mas também:
"O que ela vai sentir aqui?"
Se a resposta for “nada”, talvez seja hora de refletir sobre como você está fazendo design.
Recomendações da semana
Novamente eu testando ferramentas diferentes, fui recomendado para testar o Penpot, que está na minha lista dessa semana. Mais um software de construção de interfaces, mas com uma proposta de hand-off bem orgânica.
Uma boa alternativa de gravação de tela que encontrei na semana passada foi o Supercut. Só precisa checar se funciona em todos os browsers (além do Chrome) e se o plugin ainda está disponível para download (devido a alta demanda). E o site deles é bem bonito.
Eu achei o site do Family incrível como referência de micro interações nos vídeos espalhados pela landing page.
Referências visuais





Ekman, P. (1992). An Argument for Basic Emotions. Cognition & Emotion, 6(3–4), 169–200.
Arendt, H. (1958). The Human Condition. University of Chicago Press.
Barrett, L. F. (2017). How Emotions Are Made: The Secret Life of the Brain. Houghton Mifflin Harcourt.